17/12/2024 • Daniel Sister
É comum ouvirmos que certo jogador de futebol “é o novo Pelé”, ou Maradona, ou sei lá quem. É comum ouvirmos que determinada pessoa é “o Michael Jordan do”, seguido da sua área de atuação profissional (política, humor e outras coisas que não têm nada a ver nem com o basquete, nem com o Michael Jordan).
Yorgos Lanthimos, que, por acaso, foi jogador profissional de basquete, não é o Michael Jordan do cinema e, muito menos, do basquete. Também não é nem o novo Spielberg, nem o novo Scorsese, nem o novo ninguém.
Parte do movimento Greek Weird Wave, o diretor ateniense começou a sua carreira com filmes mais experimentais, passando a ser reconhecido pelo mainstream public em 2009, com o seu filme Dogtooth, premiado no Festival de Cannes.
Em 2016, lançou The Killing of a Sacred Deer, sendo, mais uma vez, premiado em Cannes e consolidando ainda mais a sua carreira.
Em 2018, lançou The Favourite, com Olivia Colman, Rachel Weisz e Emma Stone no elenco. Gerou, com este filme, um Golden Globe e um Oscar para Olivia Colman, além de 7 BAFTAs e 8 European Film Awards.
Foi, porém, com Poor Things (2023) e Kinds of Kindness (2024) que Yorgos—acumulando mais inúmeros prémios—entrou para o hall de aclamados diretores dos nossos tempos. Foi com estes dois filmes que o grego atingiu um público maior do que nunca e, mais importante ainda, mais diverso do que nunca. Foi no último ano que o diretor conseguiu chegar às pessoas que normalmente não estariam interessadas em filmes experimentais e underground. Acontece que, após tantos prémios e sucessos de box office, não podemos mais categorizar os filmes de Lanthimos como underground. Experimentais, sim, mas não underground (e que bom!).
Como escritor, mas principalmente como diretor, Yorgos tem uma rara capacidade de criar filmes com um Zeitgeist muito próprio (Perdoem o estrangeirismo pretensioso e nauseante, mas este é necessário). Basta assistirmos algumas poucas cenas para sabermos quem as dirigiu e idealizou: “Ah, isso é daquele grego!”
São filmes estranhos, com enredos estranhos, diálogos estranhos, cenários estranhos, edição estranha e trilha sonora que torna todos estes elementos… ainda mais estranhos. Este caráter peculiar só funciona nos seus filmes porque é natural. Com “natural” não estou diminuindo o trabalho árduo de criação. Talvez a palavra mais adequada seja “honesto”. Apesar de não serem realistas, são filmes honestos. Não. Na verdade, até são realistas, mas não no sentido óbvio do termo. São realistas, no sentido em que retratam elementos reais da vida e das relações humanas—de forma artística, estilizada e exagerada, claro.
Em Poor Things, por exemplo, Yorgos é capaz de pegar alguns elementos “reais” de Lisboa, criar elementos futurísticos, fantasiosos, coloridos e sem sentido, misturar tudo, mas sem perder a essência da cidade. O filme não deixa o público esquecer de que os personagens estão em Lisboa, mas durante cada segundo, fica claro que a cidade é a Lisboa de Yorgos Lanthimos, não a de Portugal.
Podemos comparar a capacidade de construir cidades inteiras com auras tão únicas e especiais com aquilo que fazia Kubrick, por exemplo, ao transformar Nova York numa personagem sinistra de uma história igualmente sinistra—como em Eyes Wide Shut.
Podemos, também, comparar Yorgos com David Lynch que—em Twin Peaks—criou uma cidade, inúmeras tramas simultâneas, universos paralelos e figuras quasi-mitológicas. Tudo isso enquanto tecia, através de meta-linguagem, críticas violentas ao mundo do show business. Apesar de todo o surrealismo, Lynch conseguiu, na sua série, criar uma sensação de familiaridade, entre a série e o público, que permanece intacta mesmo após três décadas.
Poderíamos, ainda, comparar os filmes de Lanthimos, com as suas cores e a repetição do mesmo elenco, com os filmes de Wes Anderson.
A questão é esta. Poderíamos (e podemos) estabelecer inúmeras comparações, mas isso seria perder de vista a tese deste texto. Um dos maiores méritos de Yorgos Lanthimos, comum a todos os bons artistas, é não copiar o estilo de outros. Yorgos tem uma voz original interessante. Num mundo em que a democratização do espaço público consolidou—como concretização do Culto à Mediocridade—a ideia de que todos são potenciais atores, diretores, escritores, pintores e fotógrafos, capazes de criações artísticas suficientemente interessantes para serem compartilhadas, produzidas e reproduzidas em massa. Neste mundo, Yorgos Lanthimos, de forma subversiva, é alguém que, de facto, tem coisas a criar, dizer e filmar.
Porto, 2024.
Este texto foi originalmente publicado pelo Clube de Literatura, Escrita, Arte e Filme (CLEAF) em 17/12/2024.