01/04/2024 • Daniel Sister
A law school should not train—or be concerned with training—lawyers, judges, prosecutors, or diplomats. A law school should focus all its attention and resources on training and forming jurists.
By the end of the fourth and final year of their Bachelor’s Degree, Law students know numerous articles of the Civil Code, the Penal Code, the Constitution, the Code of Administrative Procedure by heart... They are, however, incapable of discussing the concept of guilt, incapable of discussing the concept of incarceration, and—what should shock anyone the most—incapable of discussing the concept of Justice.
Getting a degree in Law without knowing what Justice is should be as impossible as becoming a priest without knowing what God is or becoming a physician who does not know what a brain is. All three scenarios are equally appalling.
The most perverse aspect of the higher education system is highlighted by the fragile humanistic guise created purely for aesthetic, political, and ideological reasons. The so-called "Socratic Teaching Method” (a term that has gained a new life and is endlessly repeated since the Bologna Process) is referenced, defended, and "applied" by those who have never studied Socrates and think he was a Prime Minister of Portugal.
The Bologna Process (BP) represents a significant shift in the higher education paradigm, driven by the immoral and promiscuous relationship between market forces and European institutions. It is the twenty-third blow against Academia. This initiative helped reinforce an old desire of the Market: replacing universities with training centers, where thinkers and scholars are not welcomed or formed, but where mere employees are created. By prioritizing employability as a central goal, the BP reflects and legitimizes the immoral nature of another relationship: the one between Market and Academia.
From the perspective of the ones who defend the BP, the knowledge transmitted by universities must be useful and applicable in the job market. Through this utilitarian notion of teaching, good knowledge is useful knowledge. In other words, good knowledge, worthy of being taught and learned, is that which the Market values—the knowledge that will earn you a job. Thus, anyone capable of establishing any kind of neural connections can infer that it is the Market that determines, that dictates, the syllabi of the different courses at different universities in different European countries.
We are witnessing the transposition of the capitalist logic of consumption and production into the academic realm. With the importation of employability as a permanent aspiration, the University loses its independence, even in determining its own concerns. Learning becomes a mere means to an end. The Bologna Process—being the twenty-third and final stab in the Academy—has killed the noble ideal of learning as an end in itself, that is, learning simply to satisfy intellectual curiosity, something that has always been at the core of Education.
The uniformity imposed by the BP extinguishes the plurality and diversity that once existed and were so important in the Academy. Even though it is a recent trauma, we could even classify as prophetic, if it weren't so obvious, the statement "No society can endure without its own system of education."[1]”
Uma figura que devemos, também, analisar é a do Reitor. Vemos a castração, in abstracto, da posição de Reitor, enquanto aqueles que ocupam a tal posição, ou felizes, tornam-se Brutus, ou, covardes, aceitam imposições perversas. Segundo o, já referenciado, Lucídio Bianchetti, “(…) da condição de protagonistas [os reitores], passam a coadjuvantes, responsáveis e responsabilizados pela execução de decisões tomadas heteronomamente.”, estando vinculados, por exemplo, à Declaração de Bolonha, de 1999, através das assinaturas dos Ministros da Educação dos seus respetivos Estados-Membros da UE.
Thus, in post-Bologna Process Europe, the position of Rector is clearly more political than ever, with its holder acting as a diplomat—traveling and receiving awards. Evidently, these awards have no value whatsoever outside the political dimension in which they exist (the only dimension in which they exist). Honoring serious scholars who contribute incessantly, rigorously, and intellectually honestly to the maintenance and creation of knowledge: that, of course, is irrelevant. Accumulating functions, Rectors are also tasked with ensuring that the knife remains lodged in the chest of Academia and its pillars.
O Processo “materializa uma traição aos ideais iluministas, humboldtrianos e republicanos da universidade.”[2] Esta traição passará, certamente, incólume pela análise crítica dos futuros graduados devido ao simples facto de esta capacidade de analisar criticamente o mundo estar em extinção e pela grande probabilidade de que os tais futuros graduados nem sequer saibam o que é Iluminismo, ou quem foi Humboldt.
Assim, aqueles que invocam a ideia de “Ensino Socrático” como contributo do PB ou são meramente ignorantes, verdadeiros idiotas úteis, servidores do sistema educacional que tem o Mercado como rei, ou são cínicos amargurados.
Nos anos 60 do século passado, tínhamos Foucault, Lacan, Althusser, Deleuze, Badiou, Moscovici, Rancière, Bourdieu, Sartre, Camus e Beauvoir numa só cidade. No mesmo século, tivemos T. S. Eliot, C. S. Lewis, Hemingway, Didion, Sontag, Pound, Frost e tantos outros génios. Hoje, temos meia dúzia de pensadores pelo mundo e esses já são septuagenários, octogenários e alguns já são quase centenários, como Chomsky. Mesmo estes poucos intelectuais ainda vivos, com avançada idade, produziram as suas respetivas magna opera no século passado. Não basta ser intelectual e estar vivo para ser um “intelectualda atualidade”, é preciso que produza conhecimento na atualidade, é preciso que ainda tenha o que falar e que fale. Se não for mais um escritor, que deixe de escrever.
Perante esta terrível escassez de cérebros geniais em funcionamento, não devemos—como os românticos medíocres—simplesmente lamentar e buscar conforto na poeira acumulada nos livros velhos. Devemos afirmar categoricamente que a culpa é das universidades e das instituições europeias que se submeteram ao poder do Mercado, aceitando a honra de desferir violentos golpes contra as condições que possibilitam o surgimento do espírito crítico e da curiosidade intelectual.
Foi a Universidade que aceitou abdicar do seu próprio status de Universidade para se tornar uma fábrica cinzenta de tecnocratas feitos sob medida para o Mercado. Foram as faculdades de Direito que aceitaram formar tecnocratas que sabem citar, de cor, artigos da Lei e que utilizam planilhas do Excel como ninguém.
Além da, já analisada, ideia de que “conhecimento bom é conhecimento útil”, outra noção que deve ser analisada é a de que conhecimento válido, conhecimento credível, é somente aquele que vem da ciência.
Esta ideia, que já se metastatizou como o câncer que é, transforma áreas da Filosofia e do Saber Natural, como Direito e Economia, em ciências. Estas não são sequer ramos dasciências sociais. Não. Cada área do conhecimento, agora, corresponde a uma ciência diferente. Assim, o Direito é uma ciência jurídica e a Economia é, claro, uma ciência económica.
O Conhecimento, caro leitor, está morto. Recuso-me, porém, a assumir a culpa e completar a frase com “e nós o matamos”.
De onde vêm os bens jurídicos? De onde vem o conceito de crime? De onde vem a noção de perversidade e de crueldade tão importantes para o Direito Penal? De onde vem o Princípio da Aplicação da Lei Penal Mais Favorável? De onde vem a ideia de que a vida humana é inviolável, como afirma o artigo 24.º da Constituição da República Portuguesa? De onde vem a ideia de que o cidadão deve ter amplo direito de defesa? De onde vem a ideia de que o juiz deve ser imparcial? A resposta para todas estas perguntas é: da Filosofia e das suas diversas áreas!
Com muita legitimidade intelectual, os formados na grande Ciência Jurídica não leram Platão, não leram Aristóteles, não leram Hegel, não leram Kant, ou Foucault. Um jurista, com o seu título ainda novo de fábrica, se interpelado a respeito de conceitos filosóficos, como os citados no parágrafo anterior, responde, como Álvaro de Campos, “Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica”, não tendo nem mesmo a decência de ser “doido com todo direito a sê-lo.[3]”
Aqueles que têm aspirações genuinamente académicas são rapidamente castrados pelo Mercado, Universidade e instituições europeias, atuando em conluio, e, até mesmo, pelos seus pares.
Com este ímpeto bruto, violento e destruidor, transformando em ciência aquilo que é Filosofia, ou Sociologia, ou Antropologia (em última análise, ramos mais especializados da Filosofia), transformando a experiência académica em algo irreconhecível, a Universidade atinge o objetivo imposto pelo Mercado: a neutralização da Liberdade Intelectual, da Criatividade, da Curiosidade dos professores—transformados em tecnocratas-formadores—e dos alunos, transformados em tecnocratas-em-formação.
Ainda há, porém, alguns professores e alunos que não tiveram tais elementos ceifados. Ainda há alunos que são movidos por curiosidade e vontade de aprender. Ainda há professores que são movidos pela vontade de ensinar e de produzir conhecimento. Estas figuras, cada vez mais raras—e invariavelmente cínicas—sustentam, como Atlas, o enorme peso da moribunda Academia. Estas figuras constituem o “fiozinho de liberdade e de iniciativa salvadora”[4] que faz com que possa existir, por mais que diminuta, a esperança de que a Academia reivindique, ocupe, preencha o espaço que é seu por Direito.
Estudar o que é inútil nunca foi tão subversivo e revolucionário.
Viva o conhecimento inútil!
Porto, 2024.
[1] MÉSZÁROS, I. (2006) apud BIANCHETTI, L. (2016).
[2] Ibidem.
[3] CAMPOS, A. (1923).
[4] BAPTISTA MACHADO, J. (1961).
This article was originally published by Católica Policy Society (CPS), on 01/04/2024, in Portuguese. This English version is an adaption made by the author.
Also available on the CPS's website.